Blockchain e Criptomoedas
Em primeiro lugar importa desmistificar o que é Blockchain e o que são Criptomoedas. Erradamente as pessoas confundem o Blockchain com o Bitcoin. Isto é como dizer que a aplicação de contabilidade PHC, é o SQL Server… O Blockchain é uma tecnologia que suporta diversos casos de uso ou aplicações, sendo um deles o Bitcoin. No entanto existem mais de 1500 moedas digitais idênticas ao Bitcoin que utilizam a mesma tecnologia de base de dados distribuída que está na génese do Blockchain. Importa por isso clarificar e definir o que é o Blockchain, para que serve e quais as vantagens que pode trazer comparativamente com outras tecnologias transaccionais e de armazenamento de dados que vulgarmente utilizamos nas nossas aplicações.
Comecemos por clarificar alguns conceitos que são ainda confundidos por muitos dos que começam agora a aprofundar o seu conhecimento nesta temática: Blockchain, Distributed Ledger Technology (DLT), Bitcoin/criptomoedas:
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Blockchain é a tecnologia que suporta as criptomoedas, tais como o Bitcoin. Na sua essência, é uma base de dados distribuída e imutável, que possui um conjunto de mecanismos que a torna única para diversos casos de uso[1], dos quais as criptomoedas serão porventura o mais comum no presente;
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Distributed Ledger Technology (DLT) é a designação dada a várias arquiteturas e que assentam em bases de dados distribuídas, sincronização em tempo-real, algoritmos de consenso e mecanismos de criptografia. O blockchain é um tipo de DLT, mas DLT não é sinónimo de blockchain;
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Bitcoin é uma criptomoeda[2] e o primeiro caso de uso em ambiente produtivo que assenta exclusivamente em tecnologia blockchain. Foi lançado em 2009 por Satoshi Nakamoto e inspirou-se em conceitos previamente existentes:
O que é o Blockchain
O Blockchain foi inventado em 2008 pelo pseudónimo Satoshi Nakamoto para suportar a corrente de transacções públicas da cryptomoeda Bitcoin. Um Blockchain é um banco de dados distribuído, onde uma lista de registos são ligados e protegidos usando criptografia. Cada bloco geralmente contém um hash criptográfico do bloco anterior, um timestamp e dados da transacção.
Richard Bradley da Delloite tentou explicar em menos de 100 palavras o processo complexo de entrada e saída de dados numa rede Blockcahin:
"você (um 'nó') tem um arquivo de transacções no seu computador (um 'Ledger'). Dois contabilistas do governo (vamos chamá-los de 'mineiros') têm o mesmo arquivo também nos seus computadores (por isso é 'distribuído'). Ao fazer uma transacção, o seu computador envia um e-mail para cada contabilista para informá-los. Cada contabilista corre para ser o primeiro a verificar se você pode pagá-lo (ser pago o seu salário ' Bitcoins '). O primeiro a verificar e validar envia uma mensagem ' responder a todos ', anexando sua lógica para verificar a transacção (' Proof of Work '). Se o outro contabilista concordar, todos actualizam os seus arquivos em todos os computadores... "
As cadeias de blocos, ou Blockchains, são seguras pela própria arquitectura, implementando um sistema de computação distribuída com alta tolerância a falhas bizantinas. Este sistema permite criar um processo de consenso descentralizado em que todos os nós reconhecem e autenticam cada bloco gerado na rede. Esta tecnologia de alta disponibilidade, resiliência a falhas e virtualmente impossível de adulterar, torna o Blockchain potencialmente adequado para a gravação de eventos e registos como históricos médicos e gestão de identidade, processamento de transacções documentando a sua proveniência, como rastreabilidade de alimentos, mercadorias e bens, sistemas de voto electrónico, entre outros.
Uma rede de nós Blockchain pode ser de três tipos:
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Rede pública, em que o acesso é permitido a qualquer entidade podendo enviar transacções ou tornar-se um validador participando no protocolo de consensus. Tipicamente estas redes tem um benefício financeiro aos participantes que utilizem algoritmos de Proof of Work e Proof of Stake como é o caso dos chamados “mineiros” das criptomoredas tipo Bitcoin.
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Blockchain Privada. O acesso é concedido por convite pelo administrador ou nó principal da rede. O acesso, quer como participante quer como validador, é restrito. Este tipo de blockchain pode ser considerado uma solução para as empresas que estão interessadas em utilizar a tecnologia Blockchain em geral, mas querem manter o controlo do acesso aos seus dados, utilizando-as para construírem Blockchain nos seus processos internos sem perderem a autonomia e correr o risco de expor dados confidenciais à Internet pública. Exemplo de um Blockchain privado pode ser usado dentro de uma companhia ou grupo de empresas para partilha de dados comuns de uma forma descentralizada, mas controlada centralmente.
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Consórcio Blockchain é muitas vezes também referido como semi-descentralizado. Este tipo de Blockchain também é permissionária, no entanto pode ser controlada por várias empresas que operam nós na rede. Os administradores de um consórcio Blockchain restringem os direitos de leitura dos utilizadores e apenas permitem que um conjunto limitado de nós confiáveis, execute o protocolo de consenso de validação de blocos. Exemplo pode ser uma rede Blockchain de dados de identificação de cidadão envolvendo vários organismos públicos e privados como bancos e operadores de telecomunicações. Embora o acesso aos dados possa ser público, apenas alguns nós da rede previamente definidos, podem validar a actualização de dados.
Porque usar tecnologia Blockchain
A razão pela qual a tecnologia Blockchain está sendo cada vez mais aceite na indústria de FINTECH, e não só, é devida às suas três propriedades principais, que são:
Redundância: Um Blockchain é continuamente replicado no grupo de nós que fazem parte da rede, o que garante que não há nenhum ponto de falha independentemente do número de transacções que ocorram num dos seus nós.
Imutabilidade: A arquitectura Blockchain restringe a acção de hackers para adulterar os dados armazenados. A principal razão é que uma possível adulteração de um bloco exigiria o desbloqueio de blocos sucessivos para que a informação ficasse disponível para utilização. A segunda razão é a assinatura digital. Os dados em Blockchain são protegidos com certificação digital que inclui data e timestamp. Adulterar qualquer bloco de dados iria alterar a sua data e hora, perdendo-se a correspondência a outro bloco.
Criptografia: Assinaturas digitais, baseadas em chaves criptográficas, protegem a propriedade dos dados contra qualquer transacção não autorizada.
Considerando ainda o potencial que esta tecnologia oferece, existem dois aplicativos Blockchain que podem ser considerados transformacionais:
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Contractos inteligentes: Também conhecidos como contractos de execução própria, estes são programas de computador nos quais os termos de acordo são pré-programados. O conceito por trás de contractos inteligentes é permitir o comércio entre duas partes anónimas, através da Internet, e sem qualquer intermediário. Um exemplo prático pode ser a criação de uma moeda nacional digital em que os pagamentos por ela efectuados podem ter um contracto automático associado à transacção que informa uma terceira entidade como por exemplo a autoridade tributária.
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Pagamentos transfronteiriços: As transacções internacionais levam dias para conclusão devido aos processos complicados de liquidação e compensação entre entidades diferentes. As plataformas de pagamentos baseadas em Blockchain estão a permitir aos bancos tornar as redes de pagamento mais eficientes e menos demoradas utilizando o consensus dos nós da rede para autenticar e validar as transacções em tempo real.
Esta tecnologia está a ser cada vez mais adoptada por todas as indústrias existindo mais de 50 casos de aplicação prática em sectores desde a banca, governos, saúde, música, redes de distribuição, indústria automóvel e transportes, pagamentos, cidades inteligentes, registo de terras, turismo, etc. O "World Economic Forum" antecipa que 10% do PIB global estará suportado em Blockchain em 2025. Segundo este fórum, o impacto desta tecnologia nos próximos anos pode ser tão grande quanto foi a revolução da Internet em si.
Ainda assim, é essencial fazer uma análise crítica sobre a aplicabilidade da tecnologia em cada caso específico e evitar adoptá-la apenas devido ao hype[6].
Por último gostaria de referir que existe uma comunidade OpenSource chamada Hyperledger (www.hyperledger.org) onde qualquer entidade pode trocar experiências e obter frameworks de desenvolvimento e ferramentas para criar soluções utilizando tecnologia Blockchain. Esta comunidade de colaboração global é organizada pela Linux Foundation e inclui líderes em finanças, bancos, Internet de coisas, cadeias de fornecimento, indústria e tecnologia.
João Gaspar
Consultor de Serviços Financeiros Digitais
Dinamizador Hyperledger MeetUp em Maputo
CEO e fundador da PAYTEK, Tecnologias e Serviços de Pagamentos
[1] https://gomedici.com/30-non-financial-use-cases-of-blockchain-technology-infographic/
[2] https://blockchainatberkeley.blog/blockchains-cryptocurrencies-the-new-decentralized-economy-part-1-a-gentle-introduction-edcb4824b174
[3] https://en.wikipedia.org/wiki/DigiCash
[4] https://en.wikipedia.org/wiki/Hashcash
[5] https://en.bitcoin.it/wiki/B-money
[6] https://blockchainatberkeley.blog/building-it-better-a-simple-guide-to-blockchain-use-cases-de494a8f5b60
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